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Interpretações possíveis sobre a aferição da data de ingresso no serviço público ante a natureza jurídica da regra transitória de aposentadoria nos RPPSs

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Interpretações possíveis sobre a aferição da data de ingresso no serviço público ante a natureza jurídica da regra transitória de aposentadoria nos RPPSs

 

Este artigo tem por objetivo apresentar Interpretações possíveis sobre a aferição da data de ingresso no serviço público para fins de aplicação das regras transitórias de aposentadoria no âmbito dos regimes próprios de previdência social (RPPS) ante a natureza jurídica daquelas regras.

Atualmente, há quatro regras de transição de aposentadoria em vigor: arts. 2º, 6º e 6º-A da Emenda Constitucional (EC) nº 41/2003 e art. 3º da EC nº 47/2005. Aludidas regras fixaram, entre outros requisitos, o da data de ingresso no serviço público:

 

– art. 2º da EC 41: ingresso “regular em cargo efetivo” na Administração Pública direta, autárquica e fundacional até 16/12/1998;

– arts. 6º e 6º-A da EC 41: ingresso “no serviço público” até 31/12/2003;

– art. 3º da EC 47: ingresso “no serviço público” até 16/12/1998.

 

Numa interpretação inicial, levando-se em conta o brocardo jurídico segundo o qual “onde o legislador não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo”, poder-se-ia argumentar que a exigência de “ingresso no serviço público” (arts. 6º e 6º-A da EC 41 e art. 3º da EC 47), frente à exigência de “ingresso regular em cargo efetivo” (art. 2º da EC 41), poderia se consubstanciar em qualquer forma de ingresso no serviço público, entre elas o contrato, a estabilização pelo art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o emprego público, o cargo efetivo em ente federado que não criou RPPS e, por fim, o cargo efetivo em ente que criou RPPS.

Todavia, numa leitura sistêmica realizada a luz da natureza jurídica da regra de transição de aposentadoria, extrai-se outra possibilidade interpretativa acerca da aferição da data de ingresso no serviço público para fins de aposentação pelas atuais regras transitórias.

A regra de transição de aposentadoria é instituto jurídico criado com o objetivo de dispensar tratamento diferenciado entre aqueles servidores que ingressaram no serviço público e que não completaram os requisitos para se aposentarem até a data de extinção da regra antiga (que possuíam expectativa de direito à aplicação da regra antiga) e os que ingressaram após a criação da regra atual. A regra transitória não é tão benevolente quanto à antiga, nem tão exigente quanto à nova.

Essa discriminação positiva e justa advém da necessidade de dar cumprimento ao princípio da isonomia, já que, neste mundo complexo com diferenças naturais, que devem ser respeitadas, e com profundas desigualdades sociais, o desafio é promover a isonomia positivada na Constituição Federal, sem invalidar a individualidade das pessoas e manter incólume a supremacia do bem comum[2].

Nesse sentido, tem-se procurado analisar o princípio constitucional da isonomia sob os seus aspectos formal e material. Enquanto aquele visa assegurar o cumprimento da lei, este leva em conta as particularidades que desigualam os indivíduos.

A norma pode prever diferenças, o que não se admite é a desigualdade injustificada, pois, “o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça”[3]. Assim, o legislador deve se basear em critérios discriminatórios justos, que respeitem as particularidades das pessoas.

Sob essa perspectiva, a outra interpretação que se pode extrair dos dispositivos que criaram regras transitórias de aposentadoria é aquela segundo a qual quando o legislador instituiu regra dessa natureza foi o com a finalidade de assegurar tratamento discriminatório justo para aqueles servidores que possuíam expectativa do direito de se aposentarem pelo RPPS de acordo com a regra antiga, já que, quando de sua revogação, não haviam completado os requisitos para se aposentarem de acordo com tal regra.

Segundo essa interpretação mais abrangente, seria inviável computar o tempo de serviço de empregado público ou mesmo de servidor titular de cargo efetivo não vinculado a RPPS para fins de aferição da “data de ingresso no serviço público” de que cuidam as regras transitórias de aposentadoria no âmbito do RPPS.

Ou seja, as regras de transição foram criadas a fim de assegurar aos servidores – que ainda não tinham adquirido o direito de se aposentarem pelas regras antigas pelo RPPS – a oportunidade de se aposentarem por regras não tão rígidas como as novas.

Diante do exposto, observa-se a existência de duas interpretações possíveis sobre a forma de se aferir a data de ingresso no serviço público para fins de aplicação das regras de transição de aposentadoria. Malgrado aludida divergência, este autor entende que, como sendo a mais razoável e justa, que o tempo de serviço de empregado público e de servidor público vinculados ao Regime Geral de Previdência Social não pode ser computado para aferir essa data de ingresso no serviço público, já que as regras transitórias direcionam-se aos servidores que possuíam expectativa de direito de se aposentarem pelo RPPS pelas regras então vigentes, e não aos que não tinham tal pretensão, quais sejam, os segurados do Regime Geral de Previdência Social[4].

[1]Advogado, Mestre em Administração Pública, Professor de Direito Previdenciário, Diretor de Seguridade do Fundo de Pensão OABPrevMG, Assessor Jurídico da Secretaria de Gestão Previdenciária do Município de Belo Horizonte, colunista e membro do Conselho Editorial da Revista RPPS do Brasil. E-mail: fernando_ffc@yahoo.com.br

[2]CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo: parte geral, intervenção do Estado e estrutura da administração. 2. ed. Belo Horizonte: JusPodivm, 2009, p. 159.

[3]MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 64.

[4]O § 13 do art. 40 da Constituição Federal dispõe que “ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.”

Por: Fernando Calazans