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REFORMA DA PREVIDÊNCIA DO SERVIDOR PÚBLICO UMA VISÃO GERAL

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A proposta de reforma da Previdência Social, apresentada pelo Governo Federal em dezembro 2016 e atualmente em análise no Congresso Nacional, representa a continuidade de um processo de reforma iniciado em 1998 e com etapas importantes em 2003 e 2012, que caracteriza uma política pública de estado.

No que se refere aos regimes próprios de previdência social, é possível identificar cinco eixos centrais da reforma: i. opção pela igualdade formal; ii. modificação dos critérios de concessão das aposentadorias voluntárias; iii. modificação dos critérios de cálculo dos benefícios; iv. redução da pensão; e v. busca de aplicação imediata.

 

  1. Opção pela igualdade formal

A proposta prevê uma prioridade da igualdade formal sobre a igualdade material. Em outras palavras, busca conferir o mesmo tratamento a todas as pessoas, extinguindo, por exemplo, a diferença nos requisitos para a aposentadoria de homens e mulheres.

Por outro lado, as hipóteses de aposentadoria diferenciada ficam reduzidas a duas: pessoas com deficiência e atividades prejudiciais à saúde e à integridade física, deixando de prever as atividades de risco como passíveis de aposentadoria especial. Mais do que isso, fixa um limite máximo para a facilitação do acesso ao benefício nos dois casos: redução máxima da idade, 10 anos; redução máxima do tempo de contribuição, 5 anos.

Mas, talvez, o mais importante reflexo da busca de igualdade formal é a aproximação definitiva entre os regimes próprios e o regime geral de previdência, que passam a ter basicamente os mesmos critérios de concessão e cálculo dos benefícios.

 

  1. Modificação dos critérios de concessão das aposentadorias voluntárias

O texto original da Constituição previa a existência de três modalidades de aposentadorias voluntárias: i. integral por tempo de serviço (35 anos para o homem, 30 anos para a mulher); ii. proporcional por tempo de serviço (30 anos para o homem, 25 anos para a mulher); iii. proporcional por idade (65 anos para o homem, 60 anos para a mulher).

A Emenda Constitucional nº 20/98 alterou as exigências para o servidor aposentar-se voluntariamente,  fixando uma idade mínima para a aposentadoria e convertendo as três modalidades originais em duas: i. aposentadoria integral (10 anos de serviço público; 5 anos no cargo; 35 anos de contribuição, para o homem, ou 30 anos de contribuição para a mulher; 60 anos de idade, para o homem, ou 55 anos de idade, para a mulher); ii. aposentadoria proporcional  (10 anos de serviço público; 5 anos no cargo; 65 anos de idade, para o homem, ou 60 anos de idade, para a mulher).

Já a PEC 287 propõe agora uma única aposentadoria voluntária, com proventos proporcionais e para a qual o servidor deveria preencher os seguintes requisitos: 65 anos de idade, 25 anos de contribuição, 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo.

 

iii. Modificação dos critérios de cálculo das aposentadorias

O valor dos benefícios previdenciários dos servidores públicos sofreu forte impacto com a Emenda Constitucional 41/03, que colocou fim à integralidade. Desde então, a base de cálculo das aposentadorias deixou de ser a última remuneração do servidor na ativa e passou a corresponder à média das 80% maiores remunerações, corrigidas monetariamente e consideradas a partir de julho de 1994.

A reforma em discussão propõe agora uma radical modificação do coeficiente de cálculo, que passa a ser de 51% da média das remunerações do servidor, acrescidos de 1% por ano de contribuição, tanto no caso da aposentadoria por incapacidade, quanto no da aposentadoria voluntária. Assim, por exemplo, aos 35 anos de contribuição, a aposentadoria seria de 86% da média.

Somente a aposentadoria por incapacidade decorrente de acidente em serviço corresponderia a 100% da média.

Na aposentadoria compulsória a redução seria ainda maior. Uma vez apurado o coeficiente de cálculo na forma do cálculo do parágrafo anterior, aplicar-se-ia um segundo redutor: 1/25 por anos de contribuição. Desse modo, ao ser aposentado compulsoriamente com 20 anos de contribuição, o benefício corresponderia a 20/25 x 71% = 56,8%.

 

  1. Redução da pensão

A pensão por morte é impactada de modo particular pelas mudanças propostas. O coeficiente de cálculo seria equivalente a 50% mais 10% por dependente, obviamente, limitado a 100%.

A base de cálculo será a aposentadoria do servidor ou, se este morrer em atividade, o valor de uma aposentadoria por incapacidade. Assim, a pensão terá uma base de cálculo reduzida pelas regras de cálculo das aposentadorias. Sobre essa base de valor reduzido, será aplicado o coeficiente proporcional ao número de dependentes.

Assim, se o servidor falece aos 19 anos de contribuição, deixando apenas a esposa como dependente, a pensão será de 60% de uma aposentadoria por incapacidade, que, por sua vez, será de 70% (51% + 19%). Logo a pensão corresponderá a 60% x 70% = 42%.

Por outro lado, também se está propondo a exclusão da pensão do âmbito de proteção do § 2º, do art. 201 da Constituição, que fixa o piso de 1 salário mínimo, de modo que a pensão possa ter valor inferior a esse limite.

Destaca-se que as regras de acumulação de benefícios propostas pelo Governo Federal impediriam, além do recebimento de mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, a acumulação de aposentadoria e pensão, devendo o beneficiado optar por um dos benefícios.

  1. Impactos imediatos da reforma

As reformas de 1998 e 2003, reconhecendo os impactos radicais no planejamento previdenciário dos servidores, fixaram regras de transição, ainda ampliadas em 2005 e 2012. Há, portanto, um representativo rol de normas que buscam suavizar as mudanças para os servidores que foram surpreendidos pelas reformas: art. 2º da EC 41/03, art. 3º da EC 47/05, art. 6º da EC 41/03 e art. 6º-A da EC 41/03, acrescido pela EC 70/12.

A PEC 287 não é tão generosa em proteção do princípio da não surpresa. Para ter acesso à regra de transição não bastará estar no serviço público no momento da promulgação da futura Emenda, sendo exigido que o servidor homem tenha 55 anos e a servidora mulher 45 anos, para poder ter o direito de se aposentar quando preencher os seguintes requisitos:

I – Idade: 60 anos, se homem; 55 anos, se mulher;

II – Tempo de contribuição: 35 anos, se homem; 30 anos, se mulher

III – Tempo no serviço público: 20 anos

IV – Tempo no cargo: 5 anos

V – período adicional de contribuição equivalente a 50%  do tempo que, na data de promulgação da Emenda, faltaria para atingir o tempo previsto no item II

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A PEC 287 ainda apresenta outras modificações relevantes, como a valorização da previdência complementar, modificações na aposentadoria por incapacidade e tantas outras alterações que merecem um debate profundo, com ampla participação da sociedade, para que se possa construir um modelo de previdência sustentável, mas que seja capaz de cumprir sua principal missão: garantir a segurança social dos trabalhadores.

 

Fábio Souza
Juiz Federal. Professor da UFRJ. Coordenador Acadêmico do IDS América Latina. Mestre e Doutor
em Direito (UERJ). Mestre e Doutor em Sociologia (UFF)