O §14, do artigo 40, da Constituição Federal, determina que a União, os Estados e os Municípios (no caso dos últimos, quando tiverem RPPS) poderão fixar como teto máximo de aposentadoria e pensões o valor do teto do RGPS, desde que instituam um regime de previdência complementar.
É interessante, assim, que se discuta a natureza jurídica dessa entidade de previdência complementar que fará a gestão desse sistema. A Constituição Federal, no artigo 40, §15, não especificou qual seria a natureza do ente da Administração Indireta que seria o gestor da Previdência Complementar, prevendo, somente, que deveria ter “natureza pública”.
Conforme discorre Raul Miguel Freitas de Oliveira[1], há quem defenda que a expressão significa somente que a entidade será criada pelo Estado, nada referindo sobre sua roupagem jurídica, que será a mesma de qualquer entidade de previdência complementar. Para outros, significa que a entidade deverá ter personalidade jurídica de direito público, seja sob a forma de fundação pública, seja sob a forma de autarquia. Dentre os dois extremos, há quem diga que “natureza pública” significa somente a submissão da entidade à parcela derrogatória de regime jurídico pelo Direito Público, que é imposta a qualquer entidade da Administração Indireta, mesmo quando tem personalidade de direito privado, como: realização de licitações para aquisição de bens e produtos na atividade-meio; necessidade de realização de concurso público para contratação de pessoal; observância dos princípios da Administração, dentre eles da moralidade e da publicidade; controle pelo Tribunal de Contas. Ademais, a natureza pública decorreria da própria razão de ser da entidade, pois tem o Estado como patrocinador e destina-se a gerir a previdência complementar de servidores públicos, titulares de cargo efetivo.
Sobre o tema das fundações criadas pelo Estado, prevalece o entendimento de que o legislador, quando autoriza a criação de uma fundação, deve definir qual regime jurídico mais se adequa aos fins a serem por ela buscados. Nessa esteira, o Estado tanto pode criar uma fundação de direito privado – mantidas as derrogações acima especificadas – como também pode criar uma fundação de direito público, hipótese em que se equipara à autarquia (autarquia fundacional).
A lei nº 12618/2012, que criou as entidades de previdência complementar no âmbito da União, prevê, em seu artigo 4º, §1º, que serão estruturadas na forma de fundação, de natureza pública, com personalidade jurídica de direito privado, e que gozarão de autonomia administrativa, financeira e gerencial.
A lei acabou por adotar essa última linha interpretativa ao especificar que o ente em questão seria uma fundação, de natureza pública e personalidade de direito privado. O regime jurídico dos seus empregados será celetista, conforme artigo 7º. Não obstante a personalidade jurídica de direito privado, a entidade tem o regime jurídico parcialmente derrogado pelo Direito Público, tendo sido tais derrogações prescritas no artigo 8º, da lei federal.
Assim, as contratações de bens e serviços precisam de licitação, as contratações de pessoal dependem de concurso público, há obrigação de publicação dos demonstrativos contábeis, financeiros e atuariais, bem como submissão ao controle dos órgãos fiscalizadores da Previdência Complementar e também do Tribunal de Contas da União. Sobre o tema da licitação, por óbvio restringem-se a atividade-meio da entidade fundacional, como de resto é com qualquer pessoa jurídica de direito privado criada pelo Estado, sob pena de inviabilizar as próprias atividades da fundação.
O Estado de São Paulo seguiu caminho parecido com a entidade de previdência complementar para o seu RPPS, chamada de “Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo – SP-PREVCOM”. A lei estadual atribuiu natureza jurídica de fundação à entidade, conforme artigo 4º, da lei nº 14.653/2011.
Note-se que, diferentemente da lei federal, a estadual não disse com todas as letras que a personalidade jurídica da fundação é de direito privado. O parágrafo único do dispositivo transcrito, todavia, traz em que consiste a “natureza pública” da SP-PREVCOM, arrolando o conjunto de derrogações típicas sofridas pelas pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Estado: necessidade de licitação para a atividade-meio; necessidade de concurso público para contratação de pessoal, salvo aqueles em comissão; ampla publicidade de demonstrativos contábeis, financeiros e atuarias, na forma da lei federal que rege a previdência complementar; obediência às determinações do Governador do Estado, via decreto, no que tange ao regime de pessoal das fundações (artigo 47, XII, CESP). Não resta dúvida, portanto, de que a SP-PREVCOM tem personalidade de direito privado, tal qual na esfera federal.
A opção do legislador, em ambos os casos, foi sem dúvida a mais adequada, dada a incompatibilidade de se gerir um regime de previdência complementar com todas as amarras próprias do regime jurídico de direito público. A roupagem jurídica de fundação de direito privado faz com que as entidades do RPC da União e do Estado de São Paulo assemelhem-se às demais entidades de previdência fechada já existentes, todas submetidas aos controles dos órgãos reguladores.
[1] Previdência dos Servidores Públicos: regime próprio e previdência complementar dos agentes públicos. Leme/SP: JH Mizuno, 2013, p. 278 e ss.
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
Ex – Procurador do Estado de São Paulo, atuante na SPPREV
Mestre e Doutorado em Direito pela PUC/SP