O servidor público efetivo detém, entre os direitos funcionais, previstos nos estatutos, o de afastar-se do exercício de seu cargo em várias situações ( exercer mandato eletivo, sem vencimentos, ou exercer cargo em comissão, etc.) Como premissa preliminar, pode-se afirmar que o afastamento do servidor do exercício de seu cargo efetivo não resulta na desvinculação automática do regime jurídico-funcional, mas, há, em alguns casos, consequências para o respectivo regime jurídico-previdenciário a que ele se encontra submetido.
De pronto, pode-se afirmar que o servidor, titular de cargo efetivo, vincula-se ao regime de previdência do órgão de origem, quando cedido a órgão ou entidade de outro ente da federação. Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mandado de segurança em que se discutia se a servidora poderia aposentar-se em outro regime, mantido pelo ente ao qual ela havia sido cedida para prestar serviços.(MS 27.215-AgR). A tese pode aplicar-se a outras situações funcionais.
O presente artigo pretende enfrentar, dentre as várias hipóteses de afastamento, aquela que tem requerido muita dúvida dos gestores dos regimes próprios, por seus aspectos peculiares e de significativa repercussão na situação previdenciária do servidor: o afastamento do exercício de dois cargos efetivos para exercer cargo em comissão de direção, chefia ou assessoramento (art. 37, V, da Constituição Federal).
Essa situação não é nova na Administração Pública, tendo, inclusive, alguns entes regulamentado a matéria.
Como se sabe, a acumulação de cargos, empregos e funções públicas é vedada pela Constituição Federal, excepcionadas algumas situações que o Texto Maior especifica, desde que haja compatibilidade de horário (art. 37, XVI e XVII, Constituição Federal).
De igual modo, a Carta Magna não autoriza a acumulação de proventos e vencimentos de cargo efetivo (ou emprego e função), exceto quando se tratar de cargos acumuláveis na ativa, exercício de cargo em comissão ou mandato eletivo (§ 10 do art. 37, § 6º do art. 40, art. 11 da EC 20/98). Nesse mesmo sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em vários julgados: RE 163.204-6/SP; RE 81.729-SP; ERE 68.480; MS 19.902-DF; e RE 76.241-RJ.
Com relação ao servidor que acumula licitamente cargos efetivos e é designado para função de confiança ou nomeado para cargo em comissão, não há na Carta Constitucional preceptivo específico com relação a essa situação, cabendo, pois, aos operadores do direito, a tarefa de resolver tais situações.
É certo que a jurisprudência de nossos Tribunais está assentada no sentido de que é inviável a tríplice acumulação no serviço público, ainda que haja compatibilidade de horário (STF: ARE 668478/RJ AgR; AI 743823/PR).
Entretanto, é possível afirmar que, em regime de acumulação lícita de cargos, empregos ou funções, se o servidor for nomeado para o exercício de cargo em comissão, poderá afastar-se de um, ou de ambos os cargos licitamente acumulados. Não se trata de elidir a acumulação ilícita, mas de permitir que aquele que acumula licitamente, possa exercer cargo em comissão.
A Lei federal 8.112/90 contém norma específica prevendo essa situação (art. 120). No âmbito do Estado de São Paulo, o Decreto nº 41.915, de 2 de julho de 1997, prevê, também, no art. 9º, essa situação.
Não havendo inconstitucionalidade na medida autorizada pelos diplomas legais citados, seus respectivos dispositivos podem ser aplicados, inclusive, por analogia, consoante prevê a Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro (art.4º.), quando inexistente norma legal no ente ao qual o servidor afastado se encontra vinculado (AgRg no REsp 1.201.626/RN; RMS 34630 / AC).
Embora seja viável o afastamento do exercício de dois cargos efetivos, licitamente acumuláveis, para o exercício de um cargo em comissão, a questão não é de fácil solução em relação à situação previdenciária desse servidor, para aquisição do benefício da aposentadoria, eis que, como se sabe, não basta implementar tempo de contribuição e idade, para sua obtenção. Os requisitos de tempo de efetivo exercício no serviço público, tempo de carreira (para as regras transitórias) e tempo no cargo efetivo também deverão ser cumpridos.
Os operadores de direito se dividem: para uns, o tempo de contribuição, tempo de efetivo exercício no serviço público, tempo de carreira e tempo no cargo efetivo devem ser considerados para ambos os cargos efetivos. Para outros, entretanto – corrente à qual nos filiamos – a contagem do tempo de contribuição poderá ser feita (como, por ex., nos afastamentos sem vencimentos), se o servidor contribuir em relação aos dois cargos efetivos, porém, com relação ao tempo de efetivo exercício no serviço público, tempo de carreira e tempo no cargo não poderá ser feita concomitantemente nos dois cargos, ainda que mediante fracionamento do tempo exercido no cargo em comissão, como propõem alguns gestores.
Consoante já definiu a jurisprudência, a contagem de tempo de serviço, para fins de averbação no serviço público, deve observar o número de dias trabalhados e não as horas em que o trabalhador laborou naquele dia, sendo desnecessário observar, ainda, se o trabalho se deu em uma ou mais empresa (ou situações) (STJ: RMS 18.911/RJ).
A contagem do tempo de serviço público é apenas um dos elementos formadores do direito à aposentadoria, que demanda a implementação de outros requisitos, como idade e tempo de contribuição, por ex., e para as regras transitórias, o tempo de carreira.
Via de regra, em regime de acúmulo de cargos, as linhas de tempo de serviço público, tempo de carreira, tempo de cargo e tempo de contribuição são paralelas, não sendo possível computar o mesmo tempo de serviço ou de contribuição duas vezes. O servidor deve cumprir o tempo de serviço, de contribuição, de carreira e de cargo, relativos a cada cargo na forma da lei (v., por ex., o art.96 da Lei no 8.213/91 e art. 61 do Decreto no 3.048/99)
Daí porque, nas situações de afastamento de dois cargos-base para o exercício de um outro, cargo em comissão, a lei local pode prever o recolhimento da contribuição previdenciária para um ou ambos os cargos, mas em relação ao tempo de carreira, cargo e efetivo exercício no serviço público, somente para um deles, ficando a situação previdenciária do servidor em relação ao 2º cargo sobrestada.
Com efeito, o que há de prevalecer é a contagem em dias do exercício do cargo em comissão e esses não podem ser computados duas vezes (para os dois cargos efetivos). Foi o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante (RMS 26.998).
É certo dizer que, sendo possível (havendo compatibilidade de horário), o servidor poderá exercer, além do cargo em comissão, também um dos cargos, ficando definido, então, que o afastamento será em relação ao outro cargo efetivo. Nessa situação, a situação previdenciária do servidor resta equacionada, pois todos os tempos serão computados para ambos os cargos efetivos.
Em sendo omissa a lei do ente federativo com relação a essas situações, o tratamento a ser conferido poderá tomar como parâmetro a lei federal acima citada e os gestores dos RPPS deverão fixar, em orientação normativa, os procedimentos administrativos relativos à contagem dos tipos de tempo para fins de aposentadoria do servidor nos dois cargos efetivos.
Magadar é graduada em Direito e Pós-Graduada em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Faculdade do Largo de São Francisco e em Direito Ambiental pela Escola Superior de Direito Constitucional.
Procuradora aposentada do Município de São Paulo e ex-assessora Jurídica do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.
Colaboradora para a área jurídica da APEPREM e ABIPEM , consultora da empresa ABCPREV Gestão e Formação Previdenciárias.