Recentemente o tema da reforma da previdência social brasileira voltou aos debates como um dos principais antídotos à crise econômica e fiscal que estamos presenciando. Apesar do viés político que costuma acalorar tais debates, trata-se de um assunto técnico de grande relevância, haja vista a rápida transição demográfica percorrida pelo Brasil.
O mencionado fenômeno da transição demográfica se caracteriza pela observância de diferentes fatores que levam ao envelhecimento populacional. Esse processo se iniciou com uma acentuada queda dos níveis de mortalidade entre as décadas de 40 e 60, redução que continua sendo observada ainda nos dias atuais, em especial na primeira idade. Por outro lado, iniciou no final da década de 60, de forma também acentuada, uma redução significativa das taxas de fecundidade.
No que se refere às quedas das taxas de fecundidade, em 1980 as mulheres brasileiras tinham em média 6,25 filhos ao longo da fase reprodutiva. Em 1991 essa média chegou a 2,5 filhos por mulher e em 2010, alcançou apenas 1,9 filhos, estando abaixo do nível de reposição populacional. Quanto à mortalidade, de 1980 a 2010, observou-se um ganho de aproximadamente 12 anos na expectativa de vida ao nascer, e de mais de 5 anos de ganho na expectativa de vida aos 60 anos – idade próxima à aposentadoria.
Nesse contexto, importante destacar que o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) está estruturado em regime de repartição simples, o que significa dizer que as receitas (contribuições) de um período devem ser suficientes para arcar com as despesas (benefícios) do mesmo período. Há, nesse regime, um pacto entre diferentes gerações, dado que os mais jovens (em atividade) custeiam os benefícios dos mais maduros (aposentados).
Dessas constatações, se pode intuir: Se estão nascendo menos pessoas com o passar do tempo, menos pessoas chegarão no futuro em idade produtiva. Se, por outro lado, aqueles que chegam à idade de se aposentar, estão sobrevivendo por mais tempo, estamos em sentido de aumento das taxas de dependência da população idosa no país, o que demonstra intuitivamente a insustentabilidade do modelo atual de previdência social.
Conforme a Tabela 1, tem-se observado uma elevação gradual na proporção da população acima de 60 anos, o que demonstra uma tendência de elevação dos custos da previdência social.
Tabela 1: Distribuição Populacional – Brasil – 1950 a 2020
População | 1950 | 1960 | 1970 | 1980 | 1991 | 2000 | 2010 |
< 15 | 41,80% | 42,60% | 41,70% | 38,20% | 34,80% | 29,60% | 24,10% |
15 – 59 | 53,90% | 52,60% | 53,10% | 55,70% | 58% | 61,80% | 65,10% |
60 + | 4,30% | 4,80% | 5,20% | 6,10% | 7,30% | 8,60% | 10,80% |
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1950 a 2010
Ocorre que o regime de repartição simples não está restrito ao RGPS. Apesar de se esperar o regime de Capitalização para os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), grande parte destes operam em regime de caixa, dado que, com o pagamento dos benefícios, pouco sobra para capitalizar e garantir os benefícios futuros. Dessa forma, os RPPSs estão tão suscetíveis quanto o RGPS quando o tema é envelhecimento populacional.
Existe quem defenda que há uma situação superavitária da previdência social brasileira. Porém, essa tese é verdadeira quando consideradas as diversas fontes de receitas previstas na legislação em vigor. O que está sendo destacado aqui é a relação contribuições previdenciárias versus benefícios previdenciários. Nessa relação, os números e as projeções não são nada animadores.
Não se trata de um fenômeno restrito ao Brasil e o que se tem observado é uma tentativa em diversos países de buscar o equilíbrio da balança. Ora, para isso, ou se aumentam as receitas com contribuições – o que pode vir a ocorrer com elevação de alíquotas contributivas ou aumento do prazo de contribuição – ou se reduz as despesas com benefícios – o que pode ser conquistado com redução efetiva das rendas ou postergação da entrada na fase de percepção de benefícios programados.
No Brasil fez-se uma tentativa com a instituição do polêmico Fator Previdenciário. O que se observou na prática foi que esse fator, diferente do que se pretendia, funcionou mais como um limitador de renda do que como um moderador para entrada em benefício. Não obstante, trata-se de uma ferramenta inteligente, visto que evolui na medida em que evolui também a expectativa de vida da população.
Seria adequado ter isso em conta! Instituir uma idade mínima fixa para aposentadoria, pode nos gerar uma sensação de melhoria do sistema no curto e no médio prazo, mas com a constante queda das taxas de mortalidade, sem indícios de que estejamos próximos ao limite, isso nos obrigará a rever a posição no futuro. Mais adequado seria criar ferramentas ou regras de elegibilidade que evoluam de forma parelha à população.
Se há uma boa notícia é a de que está ocorrendo no Brasil um fenômeno chamado Bônus Demográfico. Uma janela de oportunidades que se abre à geração atual. Nesse período, de aproximadamente 15 anos a 20 anos, a população economicamente ativa chegará ao máximo em termos absolutos e relativos. É o prazo suficiente para adotarmos todas as medidas necessárias para instaurar a saúde do sistema previdenciário social brasileiro.
Porém, não podemos procrastinar a tomada de decisão. O futuro deve começar agora.
- Rafael Porto de Almeida: Atuário com bacharelado pela UFMG e Mestre em Administração, com ênfase em finanças, pela UFSC. Professor da Pós-Graduação em Demografia e Atuária da UFRN e de Gestão em Previdência Complementar do CESUSC/SC. Atuário da Quanta Previdência Unicred, sendo esta a maior entidade de previdência associativa do Brasil, com mais de 50 mil participantes e 1,5 bilhões em patrimônio. Membro do Instituto Brasileiro de Atuária e da Comissão de Atuária da ABRAPP, Regional Sul.