Segundo o art. 40, § 1º, I, da Constituição Federal (CF/88), o servidor público será aposentado por invalidez com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se a invalidez decorrer de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. E o § 3º do art. 40 prevê que os proventos de aposentadoria serão calculados pela “média”.
Do teor daquele dispositivo, surgem duas questões jurídicas polêmicas: 1) o rol de doenças graves, contagiosas ou incuráveis é taxativo ou exemplificativo; e 2) a garantia da integralidade significa o antônimo de proporcionalidade do tempo ou significa que o servidor faz jus à percepção do valor da última remuneração do cargo efetivo.
Quanto ao rol das doenças graves, contagiosas ou incuráveis, o Supremo Tribunal Federal (STF), na assentada do dia 21/8/2014, nos autos do Recurso Extraordinário 656.860/MT, julgado segundo a sistemática da repercussão geral, declarou que o rol das doenças a que alude o art. 40, § 1º, I, da CF/88 é taxativo e não meramente exemplificativo.
Até então, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possuía orientação no sentido oposto, segundo a qual “o rol das doenças, para fins de aposentadoria integral, conforme assentada jurisprudência, não é taxativo, mas exemplificativo, tendo em vista a impossibilidade de a norma alcançar todas as doenças consideradas pela medicina como graves, contagiosas e incuráveis, sob pena de negar o conteúdo valorativo da norma”.[1]
Sucede que a partir da publicação daquela decisão do STF, os servidores portadores de doenças consideradas pela medicina como graves, contagiosas ou incuráveis, mas que, contudo, não estiverem descritas em lei, não mais terão direito aos proventos integrais.
Quanto à segunda questão, tanto o STJ, quanto o STF têm entendido que a exceção de que cuida o art. 40, § 1º, I, da CF/88 não se referiria ao antônimo de proporcionalidade do tempo, mas sim ao valor da última remuneração do cargo efetivo. Veja-se:
Segundo o STJ, a Lei nº 10.887, que fixa a regra da “média”, “não se aplica nas aposentadorias por invalidez permanente oriundas de moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificados em lei, dado que os proventos, nesses casos, deverão ser integrais”.[2]
Da mesma forma, o STF tem reconhecido que, nada obstante “a Lei 10.887/04 estabelecer, em seu artigo 1º, que a regra geral da base de cálculo dos proventos da aposentadoria […] será a média aritmética simples das maiores remunerações, nada dispôs com relação às exceções previstas no artigo 40, § 1º, da Constituição Federal (aposentadoria por invalidez permanente se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável). Sendo assim, essa forma de cálculo não pode ser aplicada”.[3]
Cumpre salientar, que, na assentada de 13/6/2014, o Ministro Dias Toffoli, relator do Agravo em Recurso Extraordinário 791.475/RJ, reconheceu a abrangência do tema, que coincide com esta questão, e o afetou a julgamento pela sistemática da repercussão geral, ainda não julgado.
Com a devida venia às orientações daqueles tribunais, há confusão entre a natureza das doenças (se garantirão proventos integrais ou proporcionais ao tempo de contribuição) e a forma de cálculo dos proventos (remuneração do cargo efetivo ou “média”).
Quanto à primeira, porque o mero positivismo da lei não teria o condão de esvaziar o conteúdo jurídico indeterminado previsto no texto constitucional. Essa indeterminação advém justamente da impossibilidade legislativa de se listar todas as doenças graves, contagiosas e incuráveis. Por sua vez, a confusão da integralidade como sinônimo da remuneração do cargo efetivo resolve-se pela interpretação do art. 40, § 1º, I, da CF/88, que estabelece exceção à regra da proporcionalidade. Independentemente do tempo, o servidor fará jus a proventos correspondentes à integralidade da “média”, caso tenha se invalidado a partir de 20/2/2004, data de vigência da Medida Provisória nº 167, convertida na Lei nº 10.887.
Ademais, a Lei nº 10.887, por seu art. 1º, ao reverso do anotado pelas cortes superiores, não cria a regra da média apenas para certos casos de invalidez, mas sim para todos. Logo, onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo. Em verdade, essa Lei apenas regulamentou a regra da média (criada pela EC nº 41), em nada se referindo à integralidade ou proporcionalidade do tempo, posto se tratar de matéria de índole constitucional.
Em síntese, a questão da proporcionalidade ou integralidade se resolve pela aplicação do art. 40, § 1º, I, da CF/88. Se a invalidez não decorrer de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, os proventos serão proporcionais. Agora, a regra de cálculo – se pela remuneração do cargo ou pela “média” – será averiguada de acordo com a norma aplicável. Logo, se a EC nº 41 extinguiu a regra da última remuneração do cargo efetivo e a substituiu pela da “média”, não haveria se falar na aplicação daquela para casos em que a invalidez tenha sido declarada a partir de 20/2/2004, tal como têm deliberado o STF e o STJ.
Por fim, mesmo diante dessas breves e inconclusas considerações, está posto o entendimento das mais altas Cortes do país sobre o tema. Resta-nos a esperança derradeira de que o STF, ao julgar o RE 791.475/RJ, uniformize o seu entendimento de forma que os servidores invalidados a partir de 20/2/2004 tenham os seus proventos calculados pela regra da “média”, sejam eles integrais ou proporcionais ao tempo de contribuição, a depender do tipo de acidente, moléstia ou doença…
[1]STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1353152/AM, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 10/2/2014.
[2]STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 1.397.824/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 02/10/2012.
[3]STF, RE 731.213/MG, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 21/05/2013.
- Advogado, Mestre em Administração Pública, Professor de Direito Administrativo da UFMG e Assessor Jurídico da Secretaria de Gestão Previdenciária do Município de Belo Horizonte. E-mail: fernando_ffc@yahoo.com.br
Fernando Calazans