O fenômeno da pós-modernidade tem sido descrito como a redefinição de funções e da lógica de atuação subsidiária do Estado, a partir do final do século XX, e que é levado a exercê-las cada vez mais em relacionamento com outros atores.
É daí que se insere a discussão sobre a previdência complementar, tratada por alguns como forma de privatização da previdência social, que está relacionada à revisão do papel do Estado como garantidor da proteção social (lógica coletiva), já que o ônus pelo valor do benefício é transferido ao participante (lógica individualista).
A revisão da responsabilidade estatal quanto à proteção social na conjuntura da globalização, dos avanços da tecnologia da informação e dos meios de comunicação, bem como dos efeitos dessas inovações sobre a ordem jurídica interna dos países tem desenvolvido uma espécie de governabilidade cooperativa, ambiente no qual as instituições internacionais político-financeiras e a própria experiência de outros países têm influenciado as reformas internas, inclusive a criação da previdência complementar, de várias nações, especialmente os países em desenvolvimento, que se socorreram ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional nos anos 90 como forma de amenizarem a crise econômica.
Nesse pacote de ajustes firmado com tais organizações, foram impostas certas decisões visando ao ajuste fiscal, tais como a redução das despesas dos sistemas de proteção social. Bem por isso, em 1994, o Banco Mundial elaborou estudo e propôs modelo de previdência baseado em multipilares. O primeiro garante benefícios não contributivos, com caráter assistencial e valor fixo. O segundo, de contribuição obrigatória e solidária, é destinado aos rendimentos de base e fixa os valores das aposentadorias segundo regras previsíveis e que não dependam da dinâmica dos mercados. O terceiro pilar baseia-se em contas individuais com filiação compulsória e o quarto assemelha-se ao terceiro, porém com adesão voluntária.
Este é o contexto em que se tem indagado acerca da legitimidade da criação da previdência complementar, especialmente no setor público, objeto deste artigo, realidade que representa mudança de objetivos da política previdenciária então garantida pelo Estado-interventor. Enquanto o sistema público privilegia a redistribuição de renda e riscos por meio do seguro coletivo, a privatização privilegia a eficiência e a poupança individual.
Daí surge a seguinte indagação: essa inovação não estaria a desconstruir o seguro coletivo e solidário, organizado durante séculos pelo mundo a fora? Por outro lado, levando-se em conta o aumento da longevidade, a ausência de lógica contributiva e retributiva da política previdenciária e a desigualdade entre os regimes geral e próprios de previdência, não seria razoável reduzir os encargos dos sistemas previdenciários públicos, diga-se, da sociedade, mediante a criação da previdência complementar? Em síntese: deve-se perquirir sobre qual nível de responsabilidade previdenciária a sociedade almeja atribuir ao Estado no contexto atual da pós-modernidade…
- Advogado, Mestre em Administração Pública, Professor de Direito Administrativo da UFMG e Assessor Jurídico da Secretaria de Gestão Previdenciária do Município de Belo Horizonte. E-mail: fernando_ffc@yahoo.com.br
Fernando Calazans